Latino-americanos estão azedos com a Democracia. Isso não é tão surpreendente Considerando a História da Região

Mai 15, 2021
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Um cidadão lança seu voto nas eleições presidenciais mexicanas de 2 de julho de 2000, em Ciudad Juarez, México. – Joe Raedle-Getty Images

Um cidadão lança seu voto nas eleições presidenciais mexicanas de 2 de julho de 2000, em Ciudad Juarez, México. Joe Raedle-Getty Images

Por Marie Arana

27 de Agosto de 2019 3:09 PM EDT

A pouco mais de duzentos anos atrás, o libertador venezuelano Simón Bolívar, definhando na Jamaica antes de ressuscitar uma revolução que expulsaria a Espanha das Américas, escreveu num ataque de fúria quase suicida, “Temo que as democracias, longe de nos resgatar, serão a nossa ruína.” Vinte anos mais tarde, o General Antonio López de Santa Anna aboliu a recém cunhada constituição mexicana em uma fúria de cunho branco e declarou: “Eu lutei pela liberdade de todo o meu coração, mas, mesmo daqui a cem anos, o povo mexicano não estará pronto para a liberdade”. O despotismo é o único governo viável aqui”

Hoje, um número surpreendente de latino-americanos concordaria. Segundo o serviço multinacional de sondagens Latinobarómetro, menos da metade dos latino-americanos de hoje favorece a democracia, e menos de um quarto está satisfeito com o que conseguiu em seus países. Mas, dada a história da região, talvez não seja tão surpreendente que tantos de seus habitantes se tenham sentido mal com a idéia. Afinal de contas, a democracia enfrentou obstáculos desde o início.

No século XIX, a América Latina emergiu de suas guerras de independência devastadas e, embora seus exércitos revolucionários tivessem sido em grande parte pessoas de cor, essas classes inferiores foram ignoradas. Os princípios do Iluminismo, que tinham alimentado as revoluções, foram postos de lado à medida que os ricos crioulos (brancos de ascendência espanhola) se desdobraram para se apropriarem da riqueza que os senhores coloniais deixaram para trás. Os governos foram improvisados de forma a manter as raças mais escuras em servidão e conceder aos brancos as cadeiras do poder. O Estado de direito – indispensável a um povo livre – foi abandonado enquanto um ditador atrás do outro reescrevia leis de acordo com os seus caprichos. Índios e negros, tendo lutado furiosamente pela liberdade, foram lançados de volta à servidão. O fanatismo, institucionalizado pelos espanhóis, endurecido sob seus descendentes, e um racismo virulento tornaram-se a tinderbox da região. Seguiu-se uma era nervosa.

De 1824 a 1844, em seus primeiros 20 anos como república liberada, o Peru – o coração ansioso de um império eviscerado – contou com 20 presidentes. A Bolívia viu três no decorrer de dois dias. A Argentina teve mais de uma dúzia de líderes em sua primeira década. Um século mais tarde, em 1910, contrariando o preconceito brutal que persistia entre branco e marrom, o México empreendeu mais uma revolução, e então as massas latino-americanas voltaram um olhar coletivo para as insurreições em geral.

A única estabilidade para o século seguinte parecia estar nos déspotas. Quando a revolução de Fidel Castro inspirou a subclasse da América Latina à rebelião, uma robusta rede transnacional de generais militares a derrubou com uma feroz força de contrainsurgência apoiada pelos Estados Unidos, a Operação Condor. Na Argentina, o general Jorge Rafael Videla passou pelas comemorações da Copa do Mundo de 1978 em Buenos Aires, mesmo quando os descontentes estavam sendo esfolados vivos, ou mantidos em campos de concentração, ou drogados e jogados de biplanos e helicópteros no lamacento Paraná.

No final dos anos 70, 17 das 20 nações latino-americanas eram governadas por ditadores. Vinte anos mais tarde – numa notável volta de 18 anos – o punho de ferro foi substituído por democracias em funcionamento. Como uma fileira de dominós, as juntas militares sucumbiram aos governos democráticos. Ironicamente, a revolução comunista bem sucedida de Castro em Cuba, a própria desculpa para a aplicação de um punho de ferro em muitos países, tinha inspirado uma crescente fome de igualdade nas massas. Um novo sentido de possibilidade entre os políticos liberais começou a criar raízes.

No final dos anos 80, as eleições democráticas tinham abalado a Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Nicarágua, Paraguai e Peru. Eventualmente, Panamá, El Salvador e Guatemala viriam a seguir. Em 1999, apenas duas nações haviam resistido ao engodo da democracia: uma era Cuba Castro; a outra era o México, que havia estado sob controle de um único partido durante grande parte do século XX. Um ano depois, em 2000, com a derrubada do Partido Revolucionario Institucional, o México tornou-se uma das democracias mais exemplares da América Latina, enviando seus cidadãos às urnas a cada seis anos em eleições ordenadas.

No início, a idéia democrática parecia funcionar para a América Latina, trazendo um crescimento econômico sem precedentes, a modesta ascensão de uma classe média e um mergulho na desigualdade desenfreada que a atormenta desde que Colombo ficou sem ouro e decidiu, em seu lugar, iniciar um comércio de escravos.

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Tudo o que era antes da própria democracia latino-americana mudou, transformando-se em uma versão que só um realista mágico poderia imaginar. Estes presidentes democraticamente eleitos ampliaram o papel dos militares, suspenderam constituições, se esquivaram da acusação, bloquearam o controle de seu poder, perpetuaram suas regras e se tornaram, como disse Gabriel García Márquez, “a única criatura mítica que a América Latina já produziu”.”

Evo Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia, um pobre agricultor de folha de coca que deu à Bolívia esperança e uma medida de igualdade, tornou-se o que tantos da sua coorte se tornaram: rico e raivosamente autoritário – um caudilho clássico e escondido. Apesar de terem causado vários níveis de dano, uma série de líderes latino-americanos voltou-se para uma ou outra forma de corrupção, violência ou supressão de opositores. Havia o chileno Augusto Pinochet, o peruano Alberto Fujimori, a argentina Cristina Fernández de Kirchner, o equatoriano Rafael Correa, o nicaraguense Daniel Ortega. Hugo Chávez alegou fortalecer o Estado de Direito, mesmo colocando os tribunais venezuelanos sob controle do governo. Nicolás Maduro continuou com esse autoritarismo descarado; seu governo foi ligado ao fechamento de investigações sobre subornos da gigante empresarial brasileira Odebrecht. Um relatório do Fórum Econômico Mundial de 2018 listou Venezuela, Equador, Nicarágua, Bolívia e Honduras – todas “democracias” titulares – como entre os países menos governados pelo Estado de Direito. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro foi levado ao poder por uma coalizão anti-crime e anticorrupção, com a intenção de corrigir essa tendência. Mas por toda essa conversa dura e promessas bonitas, seis meses depois, o desemprego aumentou, a economia está em espiral descendente, seu filho foi acusado de corrupção (que ele nega), e a violência só piorou.

A razão desse fracasso da democracia vai além da política.

Apenas como a prata trouxe riqueza à elite espanhola mas uma crueldade indescritível aos nativos americanos, uma sociedade extractiva e um comércio ilegal desenfreado de drogas trouxeram riqueza a muito poucos e conflagração a muitos esmagadores. Aqui está uma história interminável e recorrente, empurrada pela mais grave aflição da região: a sua extrema desigualdade. A América Latina continua sendo a região mais desigual da Terra, precisamente porque nunca deixou de ser colonizada por exploradores, conquistadores, proselitistas, máfias – e, nos últimos dois séculos, por sua própria elite minúscula.

O sentido em toda a América Latina é que isso precisa ser corrigido. Como pode o país mais rico em petróleo do planeta, a Venezuela, ser patentemente incapaz de se alimentar? Como podem as populações altamente instruídas da Argentina, Uruguai e Paraguai, de repente, se verem todos a fumegar no escuro, as suas redes eléctricas simultaneamente em blackout? Como podem economias em expansão como a da Colômbia ou a do México prosperar, mesmo quando as guerras das drogas rasgam as suas populações e deixam cerca de meio milhão de mortos?

Se a contagem de corpos é alguma medida, a América Latina é o lugar mais assassino do planeta. As dez cidades mais perigosas do mundo estão todas em países da América Latina. Isto é talvez o que mais ameaça a democracia da América Latina. Com demasiada frequência, a violência é premeditada, de sangue frio, levada a cabo tanto por funcionários governamentais como por cartéis criminosos. Não é de admirar que os Estados Unidos tenham visto uma enxurrada de imigrantes desesperados a atravessar a sua fronteira. O medo é o motor que leva os latino-americanos ao norte.

Pouca maravilha, também, que a maioria dos latino-americanos veja suas democracias como afundando. As economias podem prosperar. O investimento estrangeiro pode prosperar. Mas o povo não acredita que esteja substancialmente melhor. Eles anseiam por uma mão mais firme. Talvez estes sejam sintomas da crescente desconfiança global de que a democracia está armada contra o cidadão comum, de que tem menos a oferecer do que um governo autoritário com um mercado livre dinâmico.

No final, a corrida selvagem da América Latina à democracia falhou em superar a difícil história da região. As feridas deixadas sem vigilância – desigualdade, injustiça, corrupção, violência – são poderosos catalisadores do descontentamento.

Marie Arana, uma nativa do Peru, é autora do livro Silver, Sword, and Stone: Three Crucibles in the Latin American Story, disponível agora em Simon & Schuster.

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