Surdez pré-idioma: Benefícios dos implantes cocleares versus aparelhos auditivos convencionais

Dez 3, 2021
admin

INTRODUÇÃO
A maioria dos pacientes com perda auditiva, incluindo perda grave, beneficia-se do uso de aparelhos auditivos (HA) (1). Nos casos em que a gravidade da deficiência torna o HA incapaz de fornecer informações acústicas adequadas, acredita-se que um implante coclear (IC) produz os melhores resultados na reabilitação de crianças com perda auditiva, uma vez que estas requerem reserva coclear suficiente para a detecção sonora (1).
Os implantes cocleares estimulam diretamente as fibras nervosas cocleares e permitem melhor percepção e discriminação da fala, sons do ambiente e alertas (2). Os pacientes podem adquirir desempenho auditivo comparável ao de indivíduos com perda auditiva leve/moderada; entretanto, o desempenho e a evolução dependem da idade e da duração da surdez (1,2). Anteriormente, alguns autores apoiaram a idéia de que uma melhor percepção da fala seria obtida somente por crianças que receberam IC em idades jovens, o que tem sido contrariado nos últimos anos, quando bons resultados foram obtidos em crianças com surdez pré-lingual em fase de implantação em idades mais avançadas (3).
Nos últimos anos, muitos estudos foram publicados comparando os resultados auditivos obtidos em pacientes com perda auditiva severa a profunda que utilizaram AH ou IC (1). O objetivo deste estudo foi avaliar, utilizando como referência artigos disponíveis na literatura mundial, se a IC confere benefícios superiores aos da HA em pacientes com surdez pré-lingual.
REVISÃO DA LITERATURA
Este estudo foi uma revisão sistemática da literatura médica após uma pesquisa realizada em junho de 2010 que incluiu artigos em português, inglês e espanhol dos últimos 10 anos. A busca por referências relevantes foi feita através das bases de dados SciELO, Cochrane, MEDLINE e LILACS-BIREME. Selecionamos artigos que apresentaram os pontos fortes das evidências A ou B, abordando a comparação entre HA ou CI na população pediátrica com surdez pré-lingual. Foram utilizados os seguintes termos em malha (palavras-chave e delimitadores) e suas correspondentes traduções e combinações variadas: implantes cocleares/implante coclear; aparelho auditivo; terapia; prognóstico; estudo comparativo.
Dos 2169 artigos recuperados, 12 se mostraram relevantes ao tema e apresentaram força de evidência B (11 demonstraram força de evidência 2b (2-12) e um, 2c (1)). Não encontramos artigos com força de evidência A. Entre os desenhos de estudo analisados na revisão, 7 eram coortes prospectivas (2-4,7,9-11) e 5 eram estudos transversais (1,5,6,8,12) (Tabela 1).
Crianças que apresentam audição suficiente para permitir o uso de AH desenvolvem um estilo pré-verbal característico de conversação e audição, podem adquirir boa compreensão e usar linguagem falada. Tait e Lutman (4) investigaram conversas pré-verbais em 27 crianças que utilizaram CI ou HA através de gravações de vídeo e sua posterior análise. Afirmaram que a CI parecia promover o desenvolvimento semelhante de comportamentos pré-verbais em crianças com surdez profunda que não era produzida com HA regular. Assim, é possível que as crianças implantadas demasiado jovens possam continuar a desenvolver uma compreensão adequada da fala e da inteligibilidade da fala em função da idade. VAN DEN BORNE et al. (2) analisaram a capacidade de detectar sons diários que foram medidos em uma escala de 1-4 pontos. A escala foi aplicada antes dos pacientes receberem o IC e aos 6, 12, 24 e 36 meses após a introdução dos dispositivos. No mesmo período, houve melhora na pontuação obtida em 3,5 e 1,9 pontos nos receptores de IC e usuários de AH, respectivamente. No mesmo estudo, os autores relataram a percepção da fala por meio da Escala de Habilidades de Comunicação Precoce para Crianças com Deficiência Auditiva, que avalia o desenvolvimento da fala e da linguagem em crianças surdas de 2 a 9 anos de idade. Nessas escalas, os usuários de HA obtiveram escores melhores que aqueles com IC, mas os autores discutiram se seu uso e sensibilidade foram adequados.
OSBERGER et al. (6) avaliaram 30 crianças acima de 5 anos de idade. A percepção da fala foi medida com três testes (Percepção Precoce da Fala (ESP), Procedimento de Triagem Auditiva Glendonald (GASP) e Teste do Jardim de Infância Foneticamente Equilibrado (PB-Ktest)) antes da implantação do IC e do uso do AH e aos 3 e 6 meses após a introdução de cada aparelho. Todos os resultados revelaram melhores respostas para o grupo de IC. OSBERGER et al. (8) estudaram a percepção da fala de 58 pacientes pré e pós-implante através de 5 testes (PB-Ktest, GASP, ESP, Mr. Potato Head Task, e teste de frases regulares). Todos os pacientes obtiveram ganhos em todos os testes após mais de 18 meses, com uma diferença média de pontuação entre os testes pré- e pós-implante de 19,9 para o teste de frases regulares para 56,5 para o teste de ESP. Todas as avaliações favoreceram a IC (p
Em 1999, SVIRSKY e MEYER (9) aplicaram o teste PB-Ktest em 297 crianças usando IC ou HA. Nas crianças, com idades entre 6 e 12 anos, a pontuação média do grupo implantado com IC melhorou 6,3% em 18 meses, que nas crianças com menos de 6 anos foi de 6,5 em 12 meses. Entretanto, os autores relataram informação insuficiente para calcular a diferença de pontuação do grupo de AH. IBERTSSON et al. (10) investigaram a discriminação das palavras em três grupos de 13 indivíduos com perda auditiva. As crianças com IC obtiveram uma média de 38,5%, a dos usuários de AH foi de 79,5% e a das crianças com deficiência de linguagem específica foi de 61%. MOST e AVINER (11) estudaram a percepção da emoção em pacientes com IC implantados em idades precoces e avançadas, em pacientes que usavam HA e em adolescentes com audição normal. O estímulo foi visual, auditivo e auditivo-visual combinado. Os resultados revelaram que os adolescentes com audição normal alcançaram a melhor identificação auditiva. Ambos os grupos de pacientes com perda auditiva revelaram percepção comparável das emoções através do estímulo visual e auditivo-visual. A vantagem da IC sobre a AH não foi evidente e a correlação entre as idades de implantação foi insignificante. Embora a idade de implantação não tenha demonstrado diferença estatística, os próprios autores discutiram que a idade mais precoce para a cirurgia de IC em seu estudo foi de 2,6 anos e que os resultados poderiam ter sido diferentes se o procedimento tivesse sido realizado mais cedo.
Em 2010, BAUDONCK et al. (12) compararam a inteligibilidade entre crianças com audição normal e aquelas com perda auditiva reabilitada por IC ou AH. O grupo HA produziu mais substituições (p = 0,021), omissões (p = 0,009) e, sobretudo, mais erros no total (p = 0,005). As distorções foram o tipo de erro mais comum em ambos os grupos com deficiência auditiva: 62% no IC e 52% no HA. Em crianças com AH, o número comparativo de omissões foi maior que o das crianças com IC (p = 0,024). As crianças com implante precoce apresentaram um melhor desempenho em diferentes características fonéticas e fonológicas em comparação com as crianças com AH, semelhante ao desempenho das crianças com audição normal.

DISCUSSÃO
O desenvolvimento da pesquisa nas áreas de audiologia e diagnóstico e tratamento da surdez tem contribuído extensivamente para o avanço do conhecimento neste campo multidisciplinar de ação.
A presente revisão sistemática do assunto revelou uma ampla gama de material comparando os resultados obtidos para usuários de IC ou HA, o que incluiu principalmente a aquisição e percepção da fala. Por outro lado, apenas 1,8% dos estudos apresentaram força de evidência relevante em uma época em que a medicina baseada em evidências tem se tornado cada vez mais crucial, principalmente para que a conduta seja padronizada.
Em geral, os resultados destes estudos demonstraram os benefícios inquestionáveis da IC no desenvolvimento linguístico, percepção do som ambiente, fala, processo de aprendizagem e em áreas emocionais e sociais.
A nossa principal crítica aos artigos é de natureza metodológica, uma vez que muitas medidas de análise foram encontradas para resultados auditivos pré e pós-operatórios (escalas e testes), tornando difícil a comparação dos resultados de cada autor. Entretanto, alguns testes importantes não foram mencionados, como a Escala de Uso Significativo da Fala e a Escala de Integração Auditiva Significativa, e roteiros de entrevista utilizados com os pais do paciente, que teriam fornecido informações relacionadas à freqüência com que as crianças apresentavam comportamento oral significativo dia a dia.
Desde 1990, a Food and Drug Administration aprovou a implementação de IC em crianças a partir dos 2 anos de idade, e um número crescente de crianças tem recebido IC. O IC foi estabelecido como o dispositivo tecnológico com maior eficácia no tratamento da surdez sensorial grave a profunda atualmente disponível.
Os benefícios do IC em crianças menores de 6 anos de idade com surdez sensorial bilateral grave a profunda não foram fornecidos pelo uso do HA durante um período de 3 meses. Em crianças de 7-12 anos de idade, o IC é indicado quando há perda auditiva neurossensorial bilateral grave a profunda com reconhecimento de sentenças abertas com uso de HA em ambos os ouvidos de 50% ou menos, e a presença de um código linguístico estabelecido.
COMENTÁRIOS FINAIS
A avaliação dos benefícios recebidos por crianças com deficiência auditiva através do IC é de fundamental importância para conduzir os candidatos através do procedimento e orientação de familiarização. Após a análise da força das evidências e do grau de recomendação científica dos estudos incluídos nesta revisão sistemática, foi possível concluir que houve consenso entre os autores de que o IC conferiu maiores benefícios em relação ao AF convencional para a aquisição de habilidades lingüísticas e comunicativas em pacientes com surdez pré-lingual.

1. Mildner V, Sindija B, Zrinski KV. Percepção da fala de crianças com implantes cocleares e crianças com aparelhos auditivos tradicionais. Clin Linguist Phon, 2006; 20:219-29.
2. Van den Borne S, Snik AF, Hoekstra CC, Vermeulen AM, van den Broek P, Brokx JP. Avaliação das habilidades de identificação sonora basal e habilidades de comunicação em crianças profundamente surdas equipadas com aparelhos auditivos ou um implante coclear. Clin Otolaryngol Allied Sci, 1998; 23:455-61.
3. Most T, Rothem H, Luntz M. Percepção auditiva, visual e auditivo-visual da fala por indivíduos com implantes cocleares versus indivíduos com aparelhos auditivos. Am Ann Deaf, 2009; 154:284-92.
4. Tait M, Lutman ME. Comparação do comportamento comunicativo precoce em crianças pequenas com implantes cocleares e com aparelhos auditivos. Ear Hear, 1994; 15:352-61.
5. Vermeulen AM, Snik AF, Brokx JP, van den Broek P, Geelen CP, Beijk CM. Comparação do desempenho da percepção da fala em crianças usando um implante coclear com crianças usando aparelhos auditivos convencionais, com base no conceito de “perda auditiva equivalente”. Scand Audiol Suppl, 1997; 47:55-7.
6. Osberger MJ, Fisher L, Zimmerman-Phillips S, Geier L, Barker MJ. Desempenho de reconhecimento de voz de crianças mais velhas com implantes cocleares. Am J Otol, 1998; 19:152-7.
7. Tomblin JB, Spencer L, Flock S, Tyler R, Gantz B. Uma comparação do desempenho da linguagem em crianças com implantes cocleares e crianças usando aparelhos auditivos. J Speech Lang Hear Res, 1999; 42:497-511.
8. Svirsky MA, Meyer TA. Comparação da percepção da fala em usuários de implantes cocleares e aparelhos auditivos de clarificação pediátrica. Ann Otol Rhinol Laryngol Suppl, 1999; 177:104-9.
9. Osberger MJ, Zimmerman-Phillips S, Barker M, Geier L. Estudo clínico do implante coclear clarion em crianças. Ann Otol Rhinol Laryngol Suppl, 1999; 177:88-92.
10. Ibertsson T, Willstedt-Svensson U, Radeborg K, Sahlén B. Uma contribuição metodológica para a avaliação da não repetição de palavras – uma comparação entre crianças com deficiência de linguagem específica e crianças com deficiência auditiva com aparelhos auditivos ou implantes cocleares. Logoped Phoniatr Vocol, 2008; 33:168-78.
11. Most T, Aviner C. Percepção auditiva, visual e auditivo-visual das emoções por indivíduos com implantes cocleares, AIDS auditiva e audição normal. J Deaf Stud Deaf Educ, 2009; 14:449-64.
12. Baudonck N, Dhooge I, D’haeseleer E, Van Lierde K. Uma comparação da produção consonante entre crianças holandesas que usam implantes cocleares e crianças que usam aparelhos auditivos. Int J Pediatr Otorhinolaryngol, 2010; 74:416-21.
1) Fellow Neurotologia – Departamento de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
2) Professor e Presidente – Departamento de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
3) Doutor Associado – Departamento de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
4) Professor Associado – Departamento de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia – Hospital das Clínicas/Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil. São Paulo / SP – Brasil. Endereço para correspondência: Aline Gomes Bittencourt – Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – Avenida Professor Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 255 – 6 º andar / sala 6167 – CEP: 05403-000 – São Paulo / SP – Brasil.
Artigo recebido em 30 de outubro de 2011. Artigo aprovado em 11 de fevereiro de 2012.

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