Laparoscopic paracostal herniorrhaphy in a dog: case report
VETERINARY MEDICINE MEDICINA VETERINÁRIA
Laparoscopic paracostal herniorrhaphy in a dog: case report
Herniorrafia paracostal laparoscópica em um cão: relato de caso
A.B. TrindadeI; P.C. BassoII; M.C. GonçalvesI; G.A. LimaIII; D.G. GerardiIV; C.A.C. BeckIV; E.A. ContesiniIV; M.V. BrunV
IAluno de pós-graduação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre, RS
IIAluno de pós-graduação – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) – Santa Maria, RS
IIIAluno de graduação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre, RS
IVUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre, RS
VUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM) – Santa Maria, RS
ABSTRACT
Traumatic paracostal hernia is classified as an abdominal hernia that protrudes from the abdomen to a non physiologic space over the ribs. O tratamento requer a reconstrução cirúrgica da musculatura perturbada na região toracoabdominal. A herniorrafia paracostal laparoscópica foi realizada em um Teckel masculino de oito meses de idade, apresentado após um acidente automobilístico. Para o diagnóstico definitivo e correção da hérnia foi utilizado um acesso laparoscópico triportal. Após a tração do omento de hérnia, uma comunicação toracoabdominal causou um pneumotórax do lado esquerdo, que foi drenado com sucesso com a colocação de um tubo torácico. A herniorrafia foi realizada com suturas intracorpóreas através de uma combinação de padrões de colchão cruzado e de encaixe Ford. O período pós-operatório foi sem intercorrências. A herniorrafia laparoscópica paracostal foi satisfatória, permitindo tanto o diagnóstico como a correção do defeito paracostal, mostrando ser uma alternativa viável à cirurgia aberta.
Keywords: abdominal hernia, surgery, videolaparoscopy
ABSTRACT
A hérnia traumática paracostal é classificada como uma hérnia abdominal com abaulamento do abdômen formando um espaço não fisiológico sobre as costelas. O tratamento consiste em reconstituir cirurgicamente a musculatura rompida da região toracoabdominal. A herniorrafia paracostal laparoscópica foi realizada em um cão da raça Teckel, macho de oito meses de idade, com histórico de trauma automobilístico. Optou-se pela utilização da abordagem laparoscópica tanto para o diagnóstico definitivo quanto para a correção da mesma. Foi utilizado o acesso com três portais, permitindo a tração do omento herniado, momento este em que o animal apresentou pneumotórax devido a uma comunicação toracoabdominal esquerda. O paciente foi submetido à toracocentese e adaptação de dreno no hemitórax esquerdo. A herniorrafia foi realizada com sutura intracorpórea em padrão contínuo de colchoeiro e festonada de Ford com fio monofilamentar náilon zero. O paciente apresentou rápida recuperação pós-operatória, sem ocorrências de recidivas. Assim, a herniorrafia paracostal laparoscópica mostrou-se satisfatória, possibilitando o diagnóstico definitivo e concomitante correção do defeito abdominal e diafragmático, podendo ser indicada como uma alternativa à cirurgia convencional.
Palavras-chave: hérnia abdominal, cirurgia, videolaparoscopia
INTRODUCTION
Traumatic hernias in the abdominal wall are characterized by muscular disruption caused by a direct trauma without skin penetration or evidence of preexisting hernias at the wounded site (Damschen et al., 1994; Moreno-Egea et al., 2007). Due to the absence of a hernial sac, they are classified as false hernias (Smeak, 2007). Estas hérnias abdominais ainda podem ser definidas, dependendo da sua localização, como ventrais, pré-púbicas, subcostais, hipocondral, paracostrais ou laterais (Soldá, 2002).
As lesões na região toracoabdominal, como as hérnias paracostal, também causam frequentemente danos diafragmáticos. No entanto, não é raro que tais lesões sejam mal diagnosticadas ou não sejam prontamente identificadas devido a sinais inespecíficos e imagens radiográficas inconclusivas. Pequenas lesões podem até permanecer não diagnosticadas por meses ou anos após o trauma inicial e só podem ser suspeitas quando o paciente começa a apresentar dispnéia significativa ou sinais de estrangulamento intratorácico dos órgãos abdominais (Lenot et al., 1990). De fato, o diagnóstico freqüentemente ocorre como um achado transoperatório, quando intervenções cirúrgicas são indicadas para investigação ou tratamento de danos associados a vísceras abdominais ou irritação peritoneal (Soldá, 2002).
Para reparar uma hérnia traumática, a reconstrução cirúrgica da musculatura rompida é implicada (Moreno-Egea et al., 2007, Smeak, 2007). Tanto o procedimento aberto convencional como a abordagem laparoscópica podem ser realizados para acesso operatório (Moreno-Egea et al., 2007). Sabe-se que a cirurgia laparoscópica, comparada à operação convencional, reduz as feridas cirúrgicas, diminui a dor e o desconforto pós-operatórios, reduz o tempo de internação e, consequentemente, diminui os custos de internação (Remedius e Fergusson, 1996; Trindade et al., 2010).
A reconstrução da parede abdominal e torácica por cirurgia minimamente invasiva é ainda recente, tendo sido descrita pela primeira vez por Ger, em 1982. No entanto, ela só atingiu notoriedade após 1990, quando começou a melhorar tanto tecnologicamente quanto cirurgicamente (Lau et al., 1997). Hoje, com uma substancial casuística humana mundial e alguns casos relatados na medicina veterinária, a videolaparoscopia está sendo apreciada para tratamento de hérnias, pois, além das vantagens acima mencionadas, a ampliação das imagens acaba se revelando um recurso diagnóstico detalhado e proporciona ao cirurgião uma melhor visão (Brun et al., 2004; Brun et al, 2006).
Este relatório descreve o diagnóstico e tratamento de uma hérnia paracostal através de cirurgia minimamente invasiva em medicina veterinária.
RELATÓRIO DO CASO
Um Teckel masculino de oito meses, pesando 8kg, foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Passo Fundo (UPF, Brasil) cinco dias após colidir com um carro, mostrando inchaço na parede abdominal e dor local.
A radiografia abdominal e torácica revelou integridade das costelas e linha diafragmática, sugerindo ausência de hérnia diafragmática ou fratura da costela. A ultra-sonografia abdominal revelou posição anatômica normal das vísceras e um teor de gordura na região inchada da parede toracoabdominal esquerda. Os resultados do hemograma completo e do perfil bioquímico estavam dentro dos limites de normalidade para a espécie.
Desde que a possibilidade de hérnia paracostal traumática esquerda ainda era considerada, após hospitalização para estabilização do estado geral do animal, foi realizada videolaparoscopia para diagnóstico definitivo e possível tratamento cirúrgico.
Associação de acepromazina 0,05mg.kg-1, IM (Bayer S.A, Brasil) e sulfato de morfina 0,3mg.kg-1, IM (Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda, Brasil) foi administrada como medicamento pré-anestésico. A anestesia geral foi realizada por indução com midazolam 0,3mg.kg-1, IV (União Química, Brasil) e cloridrato de cetamina 5,0mg.kg-1, IV (União Química, Brasil), seguida de manutenção com isoflurano vaporizado em 100% O2 em um circuito semi-aberto. O bloqueio epidural foi feito com lidocaína 2,0mg.kg-1 (Astrazeneca do Brasil Ltda, Brasil) e morfina 0,1mg.kg-1. Ampicilina sódica 22mg.kg-1, IV (Eurofarma Laboratórios Ltda, Brasil) foi utilizada para profilaxia antibiótica.
Na inspeção de toda a cavidade abdominal, foi identificado o defeito paracostal esquerdo, sendo o omento o único conteúdo de hérnia (Figura 1).
Durante o reposicionamento do omento e início da herniorrafia, o animal apresentou intensa dispnéia, cianose mucosa e pneumotórax. Neste momento, o procedimento foi interrompido e a insuflação da cavidade abdominal foi descontinuada por cerca de 30 minutos. Um tubo torácico foi colocado no hemitórax esquerdo e a drenagem foi realizada até que a respiração do paciente estivesse estabilizada. Não foi possível visualizar uma lesão diafragmática que pudesse explicar o ar que entrava no tórax. Mais provavelmente, poderia ter sido devido a uma possível comunicação paracostal da hérnia com o tórax.
O omento foi cuidadosamente arrancado com a pinça Babcock (Edlo S/A®) através do defeito diafragmático de volta ao abdômen. A aposição das bordas do defeito foi primeiramente iniciada com o padrão de intertravamento Ford e depois concluída com suturas cruzadas do colchão, usando uma combinação de nylon 0, ácido poliglicólico 0 e materiais de sutura de polipropileno 0 (Figura 2).
Após inspeção e deflação da cavidade abdominal, as incisões portal da pele foram fechadas com suturas de ácido poliglicólico 2-0 em padrão simples interrompido. No pós-operatório, foi utilizado NaCl 0,9% para limpeza diária das feridas cirúrgicas. Também foi prescrito sulfato de morfina 0,3mgkg-1, quatro vezes ao dia, durante dois dias, cetoprofeno 1,2mgkg-1, uma vez ao dia, durante três dias (Eurofarma Laboratórios Ltda, Brasil) e cefalotina 20 mgkg-1, três vezes ao dia, durante dois dias (Eurofarma Laboratórios Ltda, Brasil). Todos os medicamentos foram administrados por via subcutânea durante a internação.
Durante o período de internação pós-operatória, o animal estava ativo e não apresentava sinais de dor. A drenagem torácica só foi realizada quando o animal apresentou dispnéia e o dreno foi retirado 48 horas após o procedimento cirúrgico.
O animal recebeu alta hospitalar com prescrição de cefalexina oral (Eurofarma Laboratórios Ltda, Brasil), 20 mg.kg-1, duas vezes ao dia, por mais cinco dias. Oito dias após o procedimento cirúrgico, o cão voltou para a retirada da sutura cutânea, mostrando boa cicatrização da ferida cirúrgica e sem sinais de recorrência de hérnia ou alterações locais (Figura 3).
RESULTA E DISCUSSÃO
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O cão apresentou alterações na parede abdominal devido a um trauma de acidente automobilístico. Sabe-se pela literatura que (Smeak, 2007), acidentes de carro ou contusões são a principal causa do trauma toracoabdominal que leva à ruptura das paredes destas cavidades. As áreas inguinal, pré-púbica e paracostal apresentam a maior incidência de hérnias abdominais. Entre as lesões torácicas, o diafragma é o mais afetado, sendo os cães machos jovens a população mais representativa (Moreno-Egea et al., 2007; Smeak, 2007; Unlu et al., 2007).
Durante o exame clínico do animal, notou-se uma saliência irredutível sob a pele na região paracostal esquerda, juntamente com uma assimetria do contorno abdominal. Tal alteração poderia ser sugestiva de hérnia paracostal, já que a região próxima ao arco costal é uma zona delicada da parede abdominal. Entretanto, a suspeita clínica não foi confirmada pela imagem de rotina. A verificação de hérnias abdominais traumáticas irreduzíveis ou mal definidas pode ser desafiadora devido a alguma falta de especificidade ou sensibilidade de suas características clínicas, ultra-sonográficas e radiográficas (Moreno-Egea et al., 2007; Smeak 2007). No entanto, nestes casos, a laparoscopia pode ser utilizada como recurso diagnóstico, uma vez que proporciona ao cirurgião um campo detalhado através da ampliação da imagem, permitindo a localização e, eventualmente, a correção dos defeitos da musculatura. Da mesma forma, a laparoscopia foi escolhida para realizar uma variedade de explorações abdominais com uma ampla gama de indicações, permitindo a avaliação de estruturas adjacentes para fins de diagnóstico e terapia (Lau et al., 1997). Os exames pré-operatórios realizados no paciente permitiram avaliar o estado geral do animal e sua estabilidade hemodinâmica, fornecendo critérios suficientes para a indicação adequada da laparoscopia.
Dado que as alterações presentes nas hérnias são anatômicas, o tratamento só é realizado pela reconstrução cirúrgica da musculatura perturbada (Smeak, 2007). A abordagem cirúrgica mais comum para a herniorrafia abdominal traumática é a laparotomia de linha média ou laparoscopia (Brun et al., 2006). Neste caso, a laparoscopia permitiu a observação extensa do abdômen e diafragma, a identificação do omento como único conteúdo de hérnia e a tração deste tecido. Unlu et al. (2007), em um trabalho realizado com pacientes humanos, encontraram o omento como a principal estrutura saliente em hérnias intercostais, seguido pelo cólon e intestino delgado.
O procedimento laparoscópico para a herniorrafia durou 182 minutos. Tal tempo cirúrgico pode ser considerado longo se comparado aos obtidos por Brun et al. (2006) na reparação laparoscópica da hérnia abdominal e inguinal. O tempo maior, neste caso, pode ser parcialmente explicado pela interrupção do procedimento cirúrgico para drenagem torácica após o pneumotórax imprevisível.
A incapacidade de detectar uma pequena lesão de pleura diafragmática ou parietal antes da herniorrafia pode ter sido devido a um gradiente de pressão negativa entre as cavidades torácica e abdominal que estabelece, inicialmente, uma sucção das vísceras abdominais no tórax, bloqueando a abertura da lesão. Provavelmente, a tração do omento de volta ao abdômen, durante o procedimento cirúrgico, permitiu a comunicação entre as cavidades formando um pneumotórax, pois o CO2 escapou para o tórax. Embora não tenha sido identificada laceração no diafragma durante a cirurgia, é possível que uma margem lesada existente tenha sido incorporada à sutura dos músculos da parede toracoabdominal adjacente durante a herniorrafia. Se a comunicação entre as cavidades fosse devida a um defeito na pleura parietal e nos músculos intercostais, o fechamento do defeito toracoabdominal era suficiente para evitar que o ar voltasse para a cavidade torácica. Apesar da inconveniência da instabilidade respiratória do paciente promovida pelo pneumotórax, permitiu o diagnóstico de uma comunicação toracoabdominal, já que poderia ter sido facilmente perdida pelos cirurgiões e levar a uma complicação pós-operatória se não fosse resolvida durante a cirurgia. O pneumotórax não é freqüentemente observado, durante a cirurgia, em pacientes humanos com lesões diafragmáticas mesmo após a remoção das vísceras de volta ao abdome, possivelmente devido à pressão positiva produzida pela ventilação mecânica (Soldá, 2002). No presente caso, o paciente foi mantido sob ventilação assistida. Assim, a entrada de CO2 no tórax com a liberação do omento foi detectada pelo desconforto respiratório e movimento anormal do diafragma. Nesse momento, o procedimento foi interrompido e a insuflação interrompida por alguns minutos para reduzir a pressão intra-abdominal e permitir a drenagem do tórax para estabilização do paciente. Um dreno torácico foi colocado apenas no lado esquerdo, já que os cães podem ter pleura mediastinal dividindo a cavidade pleural em dois hemitóraxes (Unlu et al., 2007) e a lesão foi limitada ao esquerdo.
Embora alguns autores sugiram o uso de malha sintética para fechamento da hérnia, este material não foi necessário, pois as suturas intracorpóreas foram suficientes para boa aposição da margem (Moreno-Egea et al, 2007).
Concluímos que a herniorrafia laparoscópica mostrou-se satisfatória, pois permitiu a visualização das estruturas abdominais sem exposição desnecessária das cavidades torácicas e abdominais e levou ao diagnóstico definitivo e ao tratamento adequado. Pode ser considerada, dependendo da condição clínica do paciente, como alternativa à técnica aberta convencional para o manejo de hérnia paracostal em cães.
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