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DISCUSSÃO
Este estudo foi realizado como parte do nosso esforço para avaliar o desempenho de abordagens de triagem baseadas em inspeção visual na detecção de lesões cervicais. Nossos estudos anteriores6, 7 e uma revisão de outros estudos10 na Índia indicaram que uma abordagem visual simples envolvendo inspeção direta do colo uterino sem aplicação de ácido acético (“downstaging”) não era satisfatória na detecção precoce de carcinoma cervical e lesões precursoras. Tem sensibilidade e especificidade na detecção de lesões, particularmente as pré-invasivas. Isto não é surpreendente, dada a grande variabilidade no aspecto do colo do útero numa população em que o trauma obstétrico do colo do útero é frequente e em que as infecções cervicais e vaginais são comuns.
Relatos universais sugerem que a inspeção visual do colo uterino após a aplicação de ácido acético a 3-5% recentemente preparado pode levar à detecção satisfatória de lesões cervicais11-17 e lesões ausentes pela citologia cervical,12,13 e desejamos avaliar esta técnica fornecida por trabalhadores paramédicos na Índia. Os resultados da investigação atual indicam que a AIV e a citologia têm quase o mesmo desempenho na detecção de lesões cervicais. A proporção de mulheres encaminhadas por cada teste para colposcopia foi semelhante.
Usamos um limiar baixo para definir uma citologia positiva (incluindo atipias) de modo a assegurar o maior número possível de lesões true-positivas. Se tivéssemos usado um limiar mais alto para definir citologias positivas como aquelas com displasia leve ou lesões piores (excluindo atipias), então a citologia teria resultado em uma taxa de encaminhamento de 8,0% (n = 241)(Tabela 4). Entretanto, a citologia (com uma taxa de detecção de 14,7 por 1000 mulheres) teve quase a mesma sensibilidade que a AIV (com uma taxa de detecção de 15,7 por 1000 mulheres) na detecção de lesões com esta nova definição (Tabela 5), mas com uma especificidade ligeiramente melhorada (95,4% para a citologia em oposição a 92,2% para a AIV), que foi estatisticamente significativa (P < 0,001).
VIA | Borrão de papel | Não. | Submetido a colposcopia |
---|---|---|---|
+ | + | 158>158 | 146 |
+ | ‐ | 140 | 124 |
‐ | + | 83 | 46 |
‐ | ‐ | 2619 | 257 |
Total | 3000 | 573 |
- VIA: inspecção visual do colo do útero após a aplicação de ácido acético.
VIA | Borrão | Infecção e inflamação | Metáplasia esquamosa | Displasia equâmica com atipias | Displasia leve | Displasia moderada | Displasia severa | Carcinoma in situ | Carcinoma invasivo | Outros | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
+ | + | >7 | 1 | 3 | 39 | 12 | 7 | 11 | 11 | 5 | |
+ | ‐ | 25 | 14 | 7 | 15 | 4 | 0 | 1 | 0 | 6 | |
‐ | + | 2 | 0 | 1 | 12 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | |
‐ | ‐ | 58 | 2 | 6 | 11 | 3 | 0 | 0 | 0 | 0 | 11 |
Total | 92 | 17 | 17 | 77 | 20 | 7 | 12 | 12 | 23 |
- VIA: inspecção visual do colo uterino após a aplicação de ácido acético.
Num estudo italiano envolvendo 2400 mulheres, a colposcopia identificou uma zona de transformação atípica (ATZ) em 312 mulheres; 307 (98,4%) das quais foram identificadas como tendo epitélio cervical branco distinto no exame do olho nu após a aplicação de ácido acético por uma estudante de medicina.11 As biópsias de exame histológico das 312 ATZ revelaram lesões benignas em 169 (54,2%) e neoplasia intra-epitelial cervical (NIC) 1 ou lesões piores em 143 (45,8%). Este é um dos primeiros relatos que indicam que um colo do útero em risco pode ser identificado através do reconhecimento a olho nu de áreas acetobranquiçadas.
Outro estudo italiano envolvendo 2105 mulheres comparou a AIV (fornecida por dois tomadores de esfregaço), a cervicografia (inspeção ampliada projetada de imagens diapositivas do colo uterino impregnado de ácido acético) e a citologia, e relatou taxas de positividade de 25,4%, 15,3% e 3,8%, respectivamente, com esses procedimentos.12 Entre 486 mulheres com pelo menos um laudo positivo para colposcopia, foram realizadas biópsias direcionadas em 281. Citologia, cervicografia e AIV detectaram 5, 5 e 7 das 8 lesões de NIC detectadas dentre elas. A AIV foi considerada menos específica, mas mais sensível do que um Papanicolau. Em outro estudo, 85 indivíduos com lesões acetobrancas suspeitas e Papanicolau normal foram submetidos à colposcopia; 34 (40%) tiveram exames colposcópicos normais e os demais foram submetidos à biópsia, dentre os quais 13 lesões NIC foram detectadas.13
Em um estudo envolvendo 2426 mulheres, realizado em um subúrbio de Capetown, África do Sul, foram encaminhadas para colposcopia e biópsia aquelas positivas em AIV ou com lesões intra-epiteliais escamosas (SILs) em citologia.14 Dos participantes deste estudo, 61 foram positivas em AIV por enfermeiras treinadas mais citologia, 15 foram positivas apenas em AIV, 254 foram positivas apenas para citologia e 2096 foram negativas tanto para AIV quanto para citologia. Do total de 31 lesões SIL de alto grau histológico detectadas neste estudo, 20 foram detectadas por ambos os testes e as 11 restantes por citologia. Os autores concluíram que, como o VIA detectou mais de 60% dos SILs de alto grau, ele mereceu consideração como alternativa à citologia em ambientes de poucos recursos.
Um estudo recente envolvendo 5692 mulheres de 16-60 anos, realizado no sul da Califórnia, utilizou a “especuloscopia” (4-6 vezes o exame ampliado de 5% do colo uterino impregnado com ácido acético por uma óptica monocular manual para detectar áreas acetobrancas, com iluminação fornecida por uma fonte de luz quimioluminescente na lâmina superior do espéculo vaginal) realizada por 186 profissionais treinados.15 Na especuloscopia, 688 mulheres (12,1%) foram positivas, e 151 (2,7%) foram positivas na citologia (SILs de baixo grau ou lesões piores). Das 799 mulheres positivas para 1 ou ambos os testes, 410 compareceram à colposcopia, e foram obtidas biópsias de todas elas. Um total de 32 SILs de alto grau e 191 SILs de baixo grau foram diagnosticados histologicamente. A especuloscopia identificou 18 (56,3%) das SILs de alto grau e 167 (87,4%) das lesões de baixo grau; a citologia identificou 21 (65,6%) e 37 (19,4%) das lesões de alto e baixo grau, respectivamente. Assim, a adição de inspeção visual ampliada do colo do útero tratado com ácido acético melhorou muito a sensibilidade da citologia.
Em um workshop, uma revisão dos resultados preliminares ou finais de vários estudos investigando o desempenho da AIV, com ou sem ampliação, na detecção de neoplasia cervical em locais de poucos recursos na Ásia (Índia e Indonésia) e na África Subsaariana (Quênia, Zimbábue e África do Sul) sugeriu que a AIV tem um desempenho comparável ao do Papanicolau e/ou outros testes de triagem sendo investigados nesses locais.16 A sensibilidade à AIV foi consistentemente de 60-70% e a especificidade de aproximadamente 70% nos estudos revisados.
Em um estudo baseado em clínica de detecção precoce realizado pelos autores em Ernakulam, Índia, envolvendo 1351 mulheres, 37,7% foram positivas à AIV realizada por enfermeiras treinadas e 15,2% à citologia; 494 foram submetidas à colposcopia e 95 à biópsia (dados não publicados). A AIV detectou 95,8% de 71 displasias moderadas ou lesões piores comprovadas por biópsia, contra 62,0% pela citologia, produzindo uma razão de sensibilidade de 1,54; porém, teve uma especificidade menor (67,8%, contra 98,6% para Papanicolau).
Os resultados do estudo atual e de outros estudos relatados indicam que a AIV é um teste simples e objetivo. O resultado deste procedimento (positivo ou negativo) está disponível imediatamente, permitindo a realização de um algoritmo de investigação adicional para a identificação de lesões cervicais. Foi demonstrado que a colposcopia de acompanhamento e tratamento das lesões pré-invasivas pode ser realizada imediatamente (durante a mesma consulta), o que não só evita recalls como também aumenta a adesão à investigação diagnóstica e ao tratamento. A viabilidade de oferecer colposcopia e excisão da zona de transformação sob anestesia local durante a mesma visita, após um teste de triagem positivo, foi bem demonstrada na África do Sul.14, 17
O teste não é caro e é possível treinar profissionais (tanto médicos quanto paramédicos) para detectar lesões acetowhite a olho nu. Se a ampliação irá melhorar os resultados do procedimento para além do exame a olho nu não é actualmente claro. Entretanto, um exame ampliado pode ser realizado rotineiramente sem custos adicionais.
Não obstante as vantagens acima, a maior preocupação é a baixa especificidade (uma alta taxa de falso-positivo), o que significa que muitos sujeitos devem ser chamados para a colposcopia. A freqüência de encaminhamento após a AIV variou de 3,1% a 38,7% nos estudos relatados.11-16 Parece que a objetividade do teste pode ser melhorada ainda mais com o treinamento adequado dos profissionais e possivelmente por ampliação. Acreditamos que a baixa proporção de casos acetobrancos em nosso estudo se deveu 1) ao treinamento prolongado de nossos trabalhadores, 2) à inclusão de sessões de colposcopia no treinamento, e 3) à pontuação positiva apenas daqueles com áreas acetobrancas distintas no colo uterino e à não inclusão daqueles com aparência esbranquiçada e desconfiada. Entretanto, outra explicação para a baixa proporção de acetopositividade é que os sujeitos deste estudo assemelhavam-se mais ou menos à população geral, ao contrário de populações selecionadas de doentes que freqüentavam os estudos baseados na clínica. A proporção de indivíduos acetopositivos foi de aproximadamente 12-13% em 2 outros estudos,11,14 indicando que a proporção lembrada para investigações adicionais e falsos-positivos pode ser consideravelmente reduzida por refinamentos técnicos e nas populações em geral. Apesar disso, parece provável que uma proporção maior de indivíduos necessitará de acompanhamento após a AIV do que com uma citologia cervical de boa qualidade. Entretanto, como o resultado da AIV está imediatamente disponível, a colposcopia e o tratamento de lesões pré-invasivas poderão ser realizados durante a mesma visita, o que certamente terá implicações favoráveis para os custos do rastreamento. Alternativamente, como o tratamento (cauterização ou crioterapia) pode ter um baixo risco de morbidade, o tratamento de um grande número de falsos-positivos pode ser julgado como um preço aceitável a pagar para o controle efetivo do carcinoma cervical.
A incapacidade de identificar a taxa de falsos-positivos neste estudo pode ser motivo de alguma preocupação. Entretanto, o fato de apenas 2 casos de displasia moderada e 5 casos de displasia leve terem sido detectados entre 215 mulheres que deram negativo de acordo com os dois testes (e estas eram mulheres com alguma anormalidade visual presente) fornece uma indicação de que a taxa de falso-negativos é improvável que seja alta na população estudada. Estudos futuros sobre avaliação do desempenho da AIV podem considerar a colposcopia e biópsia de todos os sujeitos para estabelecer precisamente as taxas de falso-negativo e verdadeiro-positivo. Iniciamos agora tal estudo.
É importante que esta técnica seja avaliada mais detalhadamente em diferentes contextos por diferentes provedores. No caso de um desempenho satisfatório consistente, é provável que encontre aplicações em duas configurações: Primeiro, nos países em desenvolvimento, onde não é viável introduzir a triagem citológica de qualidade aceitável por muitos anos, a AIV pode encontrar um lugar como alternativa de baixa tecnologia e método de baixo custo de triagem e investigação de casos. Segundo, nos países desenvolvidos, pode ser útil como coadjuvante para melhorar a sensibilidade da citologia cervical na detecção de lesões, pois está bem documentado que a citologia cervical está associada a taxas substanciais de falsos negativos, mesmo nos melhores laboratórios, devido a erros de amostragem e interpretação.18 Em ambos os cenários, as considerações de custo são importantes em vista das sessões adicionais de colposcopia necessárias, como resultado de taxas de recall um tanto altas.