Controlo local do fluxo sanguíneo
O sistema cardiovascular dos mamíferos é uma série de condutos dispostos em paralelo e em série. O fluxo sanguíneo através de cada circuito é determinado pela pressão de perfusão e tônus vasomotor no órgão alvo. Em geral, o tônus vasomotor é regulado por mecanismos locais modulados por mecanismos autonômicos para controlar a pressão de perfusão. Este artigo aborda a auto-regulação miogênica e metabólica, as respostas mediadas e conduzidas pelo fluxo e o papel dos glóbulos vermelhos no controle local do fluxo sanguíneo.
O local de regulação local do fluxo sanguíneo é ao nível das arteríolas e artérias de alimentação. Como demonstrado por medições sistemáticas de micropunção em vários vasos sanguíneos ao longo da vasculatura sistêmica (12), a maior queda de pressão ocorre entre as artérias conduítes e capilares (Fig. 1). Isto significa que a maior resistência ao fluxo sanguíneo ocorre nas arteríolas. O fluxo sanguíneo através de um vaso é regido por forças físicas de acordo com a lei de Poiseuille, como segue: fluxo sanguíneo = η/8ηl, onde ΔP é o gradiente de pressão através do vaso, r é o raio do vaso, η é a viscosidade, e l é o comprimento do vaso. Devido à quarta potência do raio, pequenas alterações no diâmetro vascular podem ter efeitos substanciais no fluxo sanguíneo. Por exemplo, um aumento de 50% no raio produz um aumento de 406% no fluxo sanguíneo e uma diminuição de 50% no raio produz uma diminuição de 94% no fluxo sanguíneo.
É importante reconhecer que múltiplos tipos celulares na parede vascular influenciam o tônus vasomotor. A camada adventícia externa consiste em nervos perivasculares e a matriz extracelular, que contém proteínas que agora estão sendo descobertas para desempenhar um papel importante na função muscular lisa vascular. A camada média contém células musculares lisas vasculares que são orientadas perpendicularmente à luz do vaso (Fig. 2), assim posicionadas de forma a fornecer força circunferencial. A lâmina elástica interna separa a camada muscular lisa do endotélio. A camada interna do vaso sanguíneo é composta de células endoteliais orientadas longitudinalmente para sentir forças de cisalhamento associadas ao fluxo sanguíneo (Fig. 3).
Autoregulação
O controle local do fluxo sanguíneo é coberto na maioria dos textos de fisiologia sob o título de autoregulação do fluxo sanguíneo. Este termo pode ser usado para descrever tanto mecanismos miogênicos quanto metabólicos que tentam manter um fluxo sanguíneo constante diante de mudanças abruptas na pressão sanguínea. O diagrama na Fig. 4 mostra o comportamento autorregulatório (18) com diminuições agudas da pressão arterial causando uma diminuição inicial do fluxo (de acordo com a lei de Poiseuille) seguida de dilatação, o que traz o fluxo sanguíneo de volta para o fluxo basal. O retorno do fluxo sanguíneo pode ser causado por um acúmulo de metabólitos ou por mecanismos miogênicos. Da mesma forma, aumentos agudos na pressão arterial produzem um aumento inicial no fluxo seguido de constrição, que poderia ser causado por lavagem dos metabólitos ou por mecanismos miogênicos.
Autorregulação miogênica
Uma curva miogênica in vitro típica é mostrada na Fig. 5. Nesta arteríola renal, aumentos graduais da pressão intraluminal de 25 a 150 mmHg elicitam diminuições graduais do diâmetro do lúmen do vaso (17). Este é um processo ativo, independente do endotélio e dos nervos perivasculares. Quando Ca2+ é removido do banho, a arteríola distende passivamente quando submetida aos mesmos passos de pressão. A vasoconstrição miogénica envolve a seguinte sequência de eventos (13):
1. Aumento da pressão intraluminal
2. Despolarização muscular lisa induzida por alongamento
3. Abertura de canais de Ca2+ em tensão
4. Aumento global da concentração de Ca2+
5. Fosforilação em cadeia leve de Myosin
O mecanismo de transdução do aumento da pressão intraluminal é um tópico de intensa pesquisa atual. Uma possibilidade é a ativação de um canal iônico mecanosensível na membrana do músculo liso. Um exemplo disso é mostrado na Fig. 6, que retrata uma proteína porosa que está amarrada à matriz extracelular no exterior da célula e o citoesqueleto no interior da célula. Quando forças mecânicas são aplicadas à matriz extracelular, o poro é modificado, permitindo o influxo de Na+ e Ca2+ (10).
Dois aspectos importantes da reatividade miogênica devem ser destacados. O primeiro é o curso do tempo da resposta. Como mostrado nos dados de uma arteríola muscular esquelética na Fig. 7, após um aumento agudo da pressão, houve um aumento mecanicamente induzido no diâmetro. Levou quase 1 min antes do diâmetro retornar ao nível da linha de base e vários minutos antes do diâmetro se estabilizar em seu novo diâmetro menor (30). O segundo aspecto é que a magnitude da resposta difere entre arteríolas de diferentes órgãos (9). A Figura 8 mostra uma comparação das respostas miogênicas do cérebro e do músculo esquelético. Especialmente notável é a dramática diferença na relação do potencial de membrana e grau de tónus miogénico nestes dois tipos de vasos (20).
Autorregulação Metabólica
Há mais de um século, dois desafios diferentes têm sido usados para estudar a autorregulação metabólica: hiperemia reativa e hiperemia ativa. A hiperemia reativa é a resposta do fluxo sanguíneo à oclusão do fluxo sanguíneo, enquanto que a hiperemia ativa é a resposta do fluxo sanguíneo ao aumento da atividade metabólica tecidual. Um exemplo de hiperemia reativa é mostrado na Fig. 9. Uma manga de pressão arterial ao redor do bíceps foi inflada até níveis suprasistólicos por vários períodos de tempo. Após a liberação de pressão do manguito, a resposta do fluxo sanguíneo da artéria braquial foi medida por técnicas de Doppler ultra-sonográfico. Como mostrado na Fig. 9, o pico de aumento do fluxo sanguíneo estava relacionado com a duração da oclusão (8). Esta observação é consistente com a produção e acumulação de metabólitos pelo tecido isquêmico, embora a identidade do(s) metabólito(s) chave(s) permaneça desconhecida. Deve-se notar, entretanto, que a dilatação não pode ser atribuída apenas a fatores metabólicos, pois pode ser produzida em vasos isolados na ausência de tecido parenquimatoso. Koller e Bagi (19) observaram que a oclusão das arteríolas isoladas do músculo gracilis poderia provocar alterações no diâmetro que imitam o comportamento hiperemico reativo (Fig. 10). Tem sido sugerido que mecanismos de controle miogênico têm um papel dominante na hiperemia reativa para oclusões de até 30 s (4).
Hiperemia activa pode ser observada em qualquer tecido em resposta ao aumento da actividade metabólica. É a característica mais proeminente do músculo esquelético, onde as mudanças na atividade metabólica podem ser dramáticas. Como mostrado na Fig. 11, aumentos progressivos na atividade contrátil produzidos por incrementos na velocidade de corrida resultam em elevações escalonadas no fluxo sanguíneo (21). As medições da microesfera do fluxo sanguíneo permitem a determinação de variações no fluxo sanguíneo entre diferentes músculos, mas o que não pode ser apreciado a partir das medições da microesfera do fluxo sanguíneo é a rapidez com que o fluxo sanguíneo do músculo esquelético aumenta no início do exercício. Como mostrado na Fig. 12, o fluxo de sangue pode aumentar no primeiro segundo após uma única contracção (6)! Pelo menos uma parte deste aumento pode ser atribuída à compressão mecânica da parede vascular, que ocorre devido ao aumento da pressão intramuscular durante a contração (7) (Fig. 13). Assim, os fatores que iniciam o aumento do fluxo sanguíneo durante o exercício podem ser diferentes dos fatores que sustentam o aumento do fluxo sanguíneo. Embora seja bem conhecido que existe uma relação linear entre o fluxo sanguíneo e o consumo de O2 (5) (Fig. 14), a ligação entre as mudanças no consumo de O2 e as mudanças no fluxo sanguíneo permanece um enigma. Há pelo menos quatro requisitos que devem ser atendidos para que um vasodilatador seja reconhecido como responsável pela vasodilatação metabólica:
1. A substância deve ser produzida por tecido parenquimatoso e acessível aos vasos de resistência.
2. A aplicação tópica da substância deve provocar vasodilatação imediata.
3. A concentração intersticial da substância deve ser proporcional ao aumento do fluxo sanguíneo.
4. Inibir a produção da substância ou sua interação com a parede dos vasos deve reduzir o fluxo sanguíneo.
Existe uma verdadeira lista de substâncias de lavandaria que foram investigadas (6). Aquela para a qual existe a evidência mais forte é K+. Durante a contração muscular, K+ se difunde rapidamente da fibra muscular através de canais K+ dependentes de tensão, o que resulta em uma concentração elevada de K+ no fluido intersticial que envolve a vasculatura (Fig. 15) (14). O rápido aumento da concentração de K+ faz deste íon o único vasodilatador derivado do músculo estudado até à data que poderia potencialmente explicar a resposta inicial do fluxo sanguíneo às contracções. As arteríolas musculares esqueléticas demonstram dilatação relacionada à dose na faixa fisiológica das concentrações de K+ observadas no interstício muscular (Fig. 16) (23). Mais importante, evidências recentes demonstraram que inibir a liberação de K+ do músculo esquelético atenua a dilatação observada no início do período de contração (Fig. 17) (1).
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Respostas mediadas por Fluxo
Já em 1933, foi demonstrado que uma infusão de vasodilatadores poderia produzir vasodilatação na porção a montante do vaso sanguíneo que não foi exposta ao vasodilatador (24). Estudos posteriores mostraram que um aumento no cisalhamento causado pelo aumento do fluxo sanguíneo é sentido pelas células endoteliais, que produzem vasodilatação pela liberação de mediadores solúveis às células musculares lisas adjacentes (Fig. 18). A magnitude da dilatação mediada pelo fluxo varia entre vasos de diferentes órgãos e vasos de diferentes tamanhos. A Figura 19 mostra a maior dilatação em arteríolas 1A do músculo gastrocnêmio do que em arteríolas 1A do músculo solitário (27). Não se sabe se a diferença observada na magnitude da dilatação mediada pelo fluxo se deve a perfis metabólicos diferentes dos dois grupos musculares. Também mostrado na Fig. 19 é o curso temporal da dilatação eliciado pelo aumento do fluxo. A resposta lenta é especialmente proeminente nas arteríolas do linguado, onde foi observada dilatação mínima 30 s após o início do fluxo elevado. O lento curso temporal da resposta também é prontamente observado em artérias conduítes de humanos (Fig. 20) (22). Após a liberação da oclusão do antebraço (jusante), a tensão de cisalhamento (principalmente em função da velocidade do sangue) atinge um pico precoce com um diâmetro de evolução mais lenta, que é retardado por ∼40 s. Vale ressaltar também que a magnitude da dilatação é ∼6% comparado com 30-60% nas arteríolas musculares esqueléticas (Fig. 19), destacando assim a influência do tamanho dos vasos na magnitude da dilatação mediada pelo fluxo.
Respostas Conduzidas
Respostas vasomotoras conduzidas (também conhecidas como respostas propagadas) coordenam a distribuição do fluxo sanguíneo dentro das redes vasculares. Embora a propagação eletrotônica dos sinais através das junções de fendas pareça ser o modo primário de sinalização ao longo da parede do vaso, ele pode não ser o único modo. Experimentalmente, este princípio é demonstrado por microinjeção ou microiontoforese de um produto químico em pequenas quantidades em um ponto discreto na parede do vaso e observando o diâmetro do vaso em outro local no sentido ascendente (25). Tanto a vasodilatação como a vasoconstrição podem ser conduzidas ao longo da parede do vaso. A Figura 21 mostra que a aplicação de acetilcolina na parede do vaso iniciou a hiperpolarização tanto das células endoteliais quanto das células musculares lisas, levando à dilatação local. Além da dilatação no site 530 μm, foi observada hiperpolarização tanto nas células endoteliais quanto nas células musculares lisas. A aplicação de norepinefrina na parede do vaso (Fig. 22) iniciou a despolarização do músculo liso sem alteração do potencial da membrana nas células endoteliais, tanto no local local como no local conduzido. Assim, estes experimentos indicam que o sinal para respostas conduzidas pode ser conduzido ao longo das células endoteliais, ao longo das células musculares lisas, ou ambas (29).
As respostas conduzidas são apenas uma curiosidade de laboratório? A avaliação do significado funcional deste mecanismo requer uma demonstração de que a abolição das respostas conduzidas prejudica a resposta normal do fluxo sanguíneo a algum desafio fisiológico. Experiências de dois laboratórios indicaram que respostas conduzidas são essenciais para a expressão plena da hiperemia activa. Bloqueio das respostas conduzidas por sacarose osmolar alta (2) ou dano leve por corante das células endoteliais (26) (Fig. 23) praticamente aboliram as mudanças de diâmetro da contração muscular. Estes resultados demonstram a significância funcional da vasodilatação conduzida.
Células de sangue vermelho
Uma hipótese intrigante avançada nos últimos anos é que os glóbulos vermelhos, em virtude da libertação de uma substância vasodilatadora durante a desoxigenação, poderiam regular a sua própria distribuição. Isto teoricamente modularia a perfusão microvascular em resposta a mudanças temporais na demanda metabólica. Uma substância cuja liberação está correlacionada com a dessaturação da hemoglobina é o ATP. Bergfeld e Forrester (3) mostraram pela primeira vez que o ATP foi liberado de eritrócitos humanos em resposta a uma breve exposição à hipóxia. O fato de o aumento da ATP estar mais estreitamente correlacionado com a porcentagem de redução da hemoglobina do que a Po2 sugeriu que a liberação de ATP pode estar relacionada à molécula de hemoglobina (Fig. 24) (15). O modelo descrito por Ellsworth et al. (11) é mostrado pictóricamente na Fig. 25. A desoxigenação causa a liberação de ATP dos glóbulos vermelhos através de um processo ligado às proteínas G, adenil ciclase e CFTR. O ATP atua nos receptores P2Y no endotélio, que liberam um segundo mensageiro para causar o relaxamento do músculo liso. Um paradigma análogo foi promulgado para o óxido nítrico (NO) por Stamler e associados (28). O NO ligado à hemoglobina como nitrosohemoglobina é liberado durante a desoxigenação. Isto produz vasodilatação pela ativação direta da guanilato ciclase nas células musculares lisas. Assim, o controlo local do fluxo sanguíneo pode envolver substâncias (ATP ou NO) libertadas pelos glóbulos vermelhos. Embora evidências definitivas não tenham sido fornecidas, este mecanismo pode contribuir para a autorregulação metabólica.
Todos esses mecanismos de controle local são integrados para fornecer um fluxo sanguíneo apropriado para atender às necessidades dos tecidos. Como enfatizado por Jasperse e Laughlin (16), a importância relativa de cada um varia ao longo da árvore vascular. Este princípio é mostrado esquematicamente na Fig. 26. Por exemplo, as respostas miogénicas e metabólicas são maiores nas menores arteríolas, enquanto a dilatação mediada pelo fluxo é mais importante nas arteríolas maiores do que nas menores. Como indicado anteriormente, deve-se também ter em mente que estes mecanismos de controle local variam em relação ao curso do tempo e entre tecidos.
Sumário
Diâmetro arteriolar local influencia o fluxo sanguíneo dos órgãos e a pressão arterial sistêmica. Todos os tipos de células na parede dos vasos sanguíneos podem afectar o diâmetro dos vasos. A influência dos mecanismos locais de controle (incluindo miogênicos, metabólicos, mediados pelo fluxo e respostas conduzidas) varia com o tempo, de tecido para tecido, e entre as gerações de vasos.
Nenhum conflito de interesse, financeiro ou outro, é declarado pelo(s) autor(es).
ACENTECIMENTOSAACENTIMENTOS
O autor agradece ao Dr. Jeffrey Jasperse por apresentá-lo ao mundo da microcirculação e ao Dr. Michael Hill e ao Dr. Michael Davis pela instrução contínua e valiosas discussões sobre o tópico.
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