As Causas Neurais da Amusia Congênita
A amusia congênita é um distúrbio vitalício no processamento de pitch e percepção musical que afeta ∼4% da população (Peretz et al., 2002; Peretz e Hyde, 2003). Apesar de terem audição e reconhecimento de fala normais, bem como não terem lesões cerebrais ou déficits cognitivos anteriores, indivíduos com amusia congênita têm dificuldade em reconhecer melodias e detectar mudanças de tom (Peretz et al., 2002; Tillmann et al., 2009; Liu et al., 2010). Pensa-se que a sua “surdez musical” reflecte as deficiências subjacentes à percepção e memória do tom de voz. Entretanto, as causas neurais subjacentes da amusia congênita ainda são ativamente debatidas.
Estudos anteriores sugeriram três possíveis causas neurais para a amusia congênita. Uma é que a amusia congênita está associada à redução da conectividade frontotemporal, o que dificulta o acesso consciente das pessoas com o distúrbio a informações de inclinação codificadas em seu córtex auditivo (Loui et al., 2009; Hyde et al., 2011; Albouy et al., 2013, 2015; mas veja Chen et al., 2015). Alternativamente, os déficits relacionados ao pitch podem ser causados por disfunções no córtex frontal (Hyde et al., 2006, 2011; Albouy et al., 2013). Por exemplo, Albouy et al. (2013) revelaram que as baixas oscilações gama (intervalo 30-40 Hz) no córtex pré-frontal dorsolateral direito (DLPFC) eram mais baixas em amusicas do que em controles saudáveis. Uma terceira possibilidade, entretanto, é que indivíduos com amusia congênita tenham região(ões) com resposta de passo anormal em seu córtex auditivo, apesar de o córtex auditivo parecer ter respostas normais às mudanças de passo (Hyde et al., 2011; Moreau et al., 2013; mas veja Albouy et al., 2013; Zendel et al., 2015). Norman-Haignere et al. (2016) examinaram a terceira possibilidade, investigando a ativação específica do tom no córtex auditivo. Os sujeitos amusicos e os controles de idade e escolaridade ouviram passivamente os tons harmônicos e o ruído de frequência durante um exame de fMRI. Os resultados revelaram que: (1) os sujeitos amúsicos e os controles exibiram uma ativação mais forte em voxels de resposta de tom a tons harmônicos do que ao ruído em um local anatômico semelhante. (2) Não foi encontrada diferença entre a ativação de voxels de resposta de tom entre as amusicas e os controles. (3) A seletividade dos voxels de resposta de tom no córtex auditivo não mostrou diferença entre amúdicas e controles.
Em suma, Norman-Haignere et al. (2016) demonstraram que as regiões de resposta de tom no córtex auditivo das amusicas são comparáveis em extensão, seletividade e localização anatômica às dos controles. Esses resultados sugerem, portanto, que a amusia congênita é improvável causada por déficits nessas regiões e, combinados com outros estudos (Hyde et al., 2011; Moreau et al., 2013; Zendel et al., 2015), sugerem que os déficits no processamento de pitch das amusicas são devidos a deficiências em regiões fora das áreas de pitch-responsive. Considerando que as amusics podem exibir um efeito de priming normal da expectativa de notas (resposta mais rápida às notas esperadas) com base no contexto do pitch musical (Omigie et al., 2012) e que algumas amusics têm déficits na percepção musical mas não na discriminação do pitch (Tillmann et al., 2009; Liu et al., 2010), é plausível que a amusia congênita resulta de déficits na conectividade frontotemporal ou disfunções no córtex frontal.
Achados neurológicos recentes apóiam este argumento. Estudos em indivíduos com amusia congênita revelaram redução na densidade de matéria branca no giro frontal inferior direito (Hyde et al., 2006), malformações corticais no giro frontal inferior direito e no córtex auditivo direito (Hyde et al., 2007) e desativação anormal no giro frontal inferior direito (Hyde et al., 2011). Um estudo mais recente de magnetoencefalografia também relatou a diminuição das oscilações de baixa gama no DLPFC direito durante a tarefa de memória pitch (Albouy et al., 2013). Esses estudos, entretanto, não conseguem distinguir se a amusia congênita é o resultado de uma conectividade fraca ou se é devido aos déficits no córtex pré-frontal.
Um estudo recente de Schaal et al. (2015) apóia a possibilidade de que as causas neurais da amusia congênita estejam localizadas no córtex frontal. Com base em achados anteriores (Albouy et al., 2013), Schaal et al. (2015) demonstraram que a modulação do DLPFC direito com estimulação transracial de corrente alternada (tACS) a 35 Hz melhorou seletivamente a memória de passo, mas não a memória visual, nas amusicas. Os participantes receberam tACS de 35 ou 90 Hz durante uma tarefa de memória de curto prazo de passo e uma tarefa de memória visual de curto prazo. Os resultados mostraram que o tACS de 35 Hz melhorou significativamente o desempenho comportamental na tarefa de memória de passo em amúsicas, a ponto de não haver diferença significativa de desempenho entre amúsicas e controles. Tais resultados sugerem uma relação causal entre amusia congênita e disfunções no córtex pré-frontal, especialmente o DLPFC direito.
Dado que indivíduos com amusia congênita têm regiões de pitch-responsive normal no córtex auditivo e um aumento de atividade no DLPFC pode levar à facilitação do desempenho em uma tarefa de memória pitch (Schaal et al.., 2015; Norman-Haignere et al., 2016), podemos concluir que as deficiências na DLPFC direita são as principais causas de amusia congênita. Também é possível, entretanto, que a estimulação aplicada do tACS de 35 Hz tenha modulado a conectividade entre o DLPFC direito e o córtex auditivo ao invés do próprio DLPFC direito. É necessário um estudo mais aprofundado para descartar esta possibilidade.
Footnotes
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Editor’s Note: Estas pequenas revisões críticas de artigos recentes da Revista, escritas exclusivamente por estudantes de pós-graduação ou pós-doutorandos, têm como objetivo resumir os achados importantes do artigo e fornecer uma visão e comentários adicionais. Para mais informações sobre o formato e propósito do Journal Club, por favor veja http://www.jneurosci.org/misc/ifa_features.shtml.
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Agradecemos a Xuejing Lu e Lauren Power pela discussão efetiva, e Lauren Power e dois editores pela revisão.
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